Por Paullo Fernando
SESSÃO ESPECIAL
LANÇAMENTO DE FILMES DE JOVENS CINEASTAS
8/12, 14h
As deslumbrantes paisagens goianas
Direção: Meirilinda Santos
Goiânia e a velha mania de encantar quem é novo por aqui, ou quem é quase patrimônio da cidade. Cada cantinho tem uma história diferente e cada fatia da cidade tem sua importância e sua beleza.
Esse curta nos dá vontade de ir na 44 ou no centro da cidade gastar cem reais e voltar com 10 sacolas. Dá pra sentir o cheirinho das árvores da Praça Cívica, o vento entre os carros que não param um minuto por ali. Tudo isso graças a excelente fotografia com planos abertos que mostram o quanto a personagem lhe cai bem em quaisquer cenários que fossem filmados.
As Deslumbrantes Paisagens Goianas é um quadro sendo pintado a cada passo dado. A direção transformou cada cena em um cartão postal da cidade onde tudo ao redor protagoniza e o texto traz sentido ao roteiro, mesmo que de forma simples.
Atitudinal
Direção: César Rodríguez Pulido
Cinema inclusivo em sua função maior, que é educar ou reeducar quem assiste. Com seu trocadilho excepcional no título, “Atitudinal” traz à tona o quanto a sociedade é deficiente em não incluir o suficiente pessoas neurotípicas.
No elenco temos Dudu, com todo o seu carisma, narrando e demonstrando o mundo ao seu redor e seus desafios intimidadores, mas não menores que a vontade de ser o que é: uma pessoa vivendo sua vida tranquilamente em sua comunidade. Nos exemplos trazidos pelo filme, são claras as melhorias que ainda podemos fazer enquanto cidadãos e a luta não só dele mas da família e da comunidade em fazer acontecer tal inclusão.
Há problemas antigos que a gente percebe em qualquer lado da cidade, principalmente a falta de acessibilidade para estas pessoas. Mas o diretor deixou que Dudu com toda sua energia demonstrasse em cenas, que sua vida pode ser melhor do que muitas pessoas que não são pcds.
A fotografia se prezou a mostrar um cotidiano quase inteiro de Dudu onde o seu mundo protagoniza junto com ele tanto o que o limita, quanto o que o inclui. É um convite para um passeio que nos levará a realidade que ele está e quer melhorá-la.
Mesmo diante de locais que se adequam cada vez mais para serem inclusivos, precisamos sempre repensar sobre como deixar tudo bom o suficiente para todos terem direito a viver em harmonia. Só assim poderemos ser chamados de sociedade inclusiva.
Entre nós
Direção: Helena Maria
Quem nunca teve um amor não correspondido ou uma confusão de sentimentos na adolescência não viveu essa fase da forma plena, viu? “Entre Nós” trabalha de uma forma muito gostosa essas questões simples mas importantes da nossa vida.
O diálogo entre as personagens flui tão naturalmente que parece uma videochamada: quem está assistindo está participando daquela conversa, daquela troca. A direção parece ter deixado as atrizes tão à vontade que pareciam de verdade íntimas e com aquele afeto de anos.
Uma outra questão bem trabalhada pelo elenco e direção foi a mudança de expressão onde de um clima de despedida e diversão, se transforma em um clima dramático quanto a cenários e quanto à fotografia.
Senti falta de uma trilha sonora mais potente e talvez mais teen que representasse melhor a faixa etária das meninas, por mais que a cena da música já revelasse um gosto musical entre as duas.
Bianca e Elisa são um par que combinam nessa narrativa. Uma se desapegando de onde mora, das coisas que odeia, para iniciar uma nova vida. Enquanto a outra trabalha a ideia do desapego e, ao mesmo tempo, do convencimento, pois um possível amor verdadeiro está dando adeus, o que fica evidente no desfecho da história. Mas tem a carta, né? Quem sabe um possível retorno possa acontecer de forma mais madura?
O punk goiano: vozes trans
Direção: Lucca Brasil
Fazia tempo que eu não tinha contato com um documentário que me levasse a lugares, pessoas e hábitos tão diferentes. O punk por si só já é um importante movimento de protesto da contracultura. Quem leva para o cinema essa arte da música, do movimento e de tudo que vemos em minutos aqui, deixa tudo mais translúcido, revelando em camadas os personagens.
As vozes trans trouxeram o diferencial para entendermos que não é apenas pelo gênero musical, e sim pela diversidade de pessoas que se manifestam naquela comunidade. Na montagem do documentário dá pra notar que o estilo musical vai para as vestimentas, para a forma de pensar e agir, e me encantou a pluralidade que todos os participantes entrevistados no documentário trazem em suas bagagens.
Não é apenas sobre pertencer; é sobre incluir os/as demais e deixar a porta sempre aberta para quem quiser se descobrir junto a eles. Aspecto que em várias rodas sociais não é trabalhado, e se limita apenas a um tipo de pessoa, individualizada e padronizada.
Muito importante ressaltar que foi dado destaque aos sons de captação interna para nos inserir no que realmente eles escutam, no som que eles produzem, deixando assim tudo mais próximo possível da experiência de conviver com eles.
O Punk Goiano: Vozes Trans é um grito de liberdade: são pessoas que cruzam com a gente no cotidiano e que, em seu movimento, revelam algo tão gigante que deve ser mostrado na tela do cinema.
Relicário
Direção: Amanda Rosa e Hítallo Torquato
Com um roteiro interessante, Relicário nos apresenta uma história trágica de amor. A direção opta por elementos cenográficos simbolizando corpos e religião.
Corpos que também amam! Muita gente não acredita que uma garota(o) de programa pode se apaixonar, ser amado(a) e/ou ter uma família. Estando à margem da sociedade e à mercê da violência, essas pessoas se recolhem nas poucas opções que restam a elas, por conta da sociedade e suas limitações.
Destaque para a presença de elementos religiosos mostrando que a fé também está presente na prática da protagonista. A fotografia reforça o tom dramático com cores fortes principalmente o vermelho usado talvez para remeter a essa atmosfera do amor, do drama e do sangue que seria derramado no final.
A narrativa envolve um romance trágico, com um desfecho inesperado revelado na cena do coração no pote, que se conecta à fala da personagem quando ameaçada de morte. O que ganha o final do filme seria a trilha sonora e o plot que linkamos imediatamente à fala de Lin, quando tem sua vida ameaçada e ela já se assume uma pessoa morta. Mesmo com momentos frágeis de atuação, um filme interessante e necessário.
Sagrada Travesti do Evangelho
Direção: Júlia F. Cândida
Com estética de filmes em VHS em vários momentos, Sagrada Travesti do Evangelho nos leva a pesadelos mais do que reais, já que faz parte da realidade de uma travesti no Brasil, tudo que a personagem que a atriz Yurinha Oliveira interpreta.
A fotografia nos ajuda a diferenciar momentos de um sonho utópico da protagonista, com seus medos e receios tomando forma em texto, que inclusive tem tom pesado e em vídeo, como nas cenas fúnebres. O choque de assistir tais cenas inclusive foi ver e entender, mesmo que de forma particular, que a diretora escolheu os locais, ações e formas em que a nossa personagem é morta sonhando, com grande parte dos mesmos locais que vemos nos jornais onde são encontradas as mesmas pessoas sem vida e vítimas de transfobia.
O curta não é só um alerta sobre a violência e o medo que rodeia a mente da personagem, mas também sobre a intolerância e hipocrisia religiosa, mostrada em cenas onde o corpo de uma travesti é objetificado ou expurgado até dentro de um espaço religioso. Nem com a mesma fé que todos os outros podem ter, a protagonista se sente bem-vindas ou conseguem se sentir à vontade perante Deus naquele que deveria ser um local de acolhimento.
Questões como suicidio e o vazio nas vidas de travestis também estão presentes em algumas cenas marcantes. Achei incrível como o filme, após a cena de afogamento, levanta um efeito de angústia e ansiedade. Talvez seja esse um dos desconfortos que a direção, junto com fotografia e som, quisessem causar - e conseguiram.
Sagrada Travesti do Evangelho me remeteu a várias questões religiosas, por eu ser filho de pastor e entender que na verdade não precisamos estar em um templo para continuarmos tendo fé ou sermos filhos de Deus, mas sim acreditar nele e sentir o amor que ele tem por todas as pessoas.
Com um final simbólico e de protesto, usando a maior representação religiosa católica nas cores da bandeira trans, o curta se encerra mostrando a inclusão de uma fé que muitas vezes é invalidada por quem não tem tal poder.
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