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Críticas

O Clube das Mulheres de Negócios: diversão, reflexão e catarse

Por Déborah Tomaselli

O Clube das Mulheres de Negócios é ambientado em um mundo distópico (gênero de narrativa que explora sociedades fictícias e serve como uma crítica social) onde os estereótipos de gênero são invertidos. Com um senso de humor provocativo, a ação se passa em um dia de folga do Clube de Campo frequentado por poderosas mulheres de negócios: enquanto as sócias almoçam, três onças escapam do onçário e começa um jogo de negação, mentiras e ataques que acaba mal.

Essa premissa me lembra muito um outro filme sobre o tema que gostei bastante - e deixo a dica para você, caso ainda não tenha assistido -, que é Eu Não Sou Um Homem Fácil, produção francesa.

Com tom de sátira e muito bom humor, o filme é uma mistura entre comédia, suspense, drama e terror ácido surpreendente, e traz situações absurdas que fazem o espectador se questionar sobre as estruturas de poder vigentes, seja de gênero, classe ou do domínio do homem sobre a natureza, problematizando o machismo e classismo enraizados na nossa sociedade, jogando com figuras, arquétipos e posições sociais.

Conhecida por seu olhar afiado e sua habilidade em trazer temas centrais da sociedade brasileira para a tela de maneira engenhosa, como em sua obra-prima Que Horas ela Volta?, a diretora e roteirista de O Clube das Mulheres de Negócios, Anna Muylaert traz mais uma vez uma crítica social nada óbvia, com diversão, reflexão e catarse para os espectadores, em um filme que dialoga diretamente com o momento cultural vivido no Brasil e no mundo - uma sátira potente do patriarcado, com reflexões e críticas que são um verdadeiro “tapa na cara”.

A inversão dos papéis de gênero - com as mulheres exercendo autoridade enquanto os homens são moldados para uma postura de submissão -  é apenas o começo de uma série de imagens e reflexões propostas ao longo do filme, dentre elas, sobre preconceito, traição, casamento falido, falcatrua, ganância, abuso sexual; e o papel do jornalismo na sociedade.

Isso fica muito claro visualmente através da direção de arte, com os figurinos, em que os homens que usam saias, croppeds, shorts curtos, esmaltes, e são objetificados e não levados a sério; e com retratos das mulheres antepassadas das comandantes atuais do Clube das Mulheres de Negócios na parede, confirmando que sempre foram mulheres à frente dos negócios, e não os homens ali naquele universo. O longa-metragem didaticamente mostra aos homens que assistem ao filme o que eu, sendo uma mulher - tenho lugar de fala e posso afirmar com propriedade, assim como a Anna Muylaert - sinto na pele todos os dias.

À medida que a história vai escalando, o filme, que começa com a fotografia em tons mais saturados e quentes, vai dando lugar a uma paleta de cores sombria e escura. Além disso, surgem as onças, que conectam todas as outras instâncias da narrativa, simbolizando o poder que transcende as rígidas divisões estabelecidas pela sociedade.

A ganância é a ruína das mulheres soberbas retratadas na trama, tanto que são mortas por essas onças, sendo uma metáfora do animal que estampa a nossa nota de 50 reais. A escolha das onças serem feitas em CGI (computação gráfica) reforça a linguagem de surrealismo, de fábula, proposta por Anna Muylaert para retratar temas tão reais, mas com essa roupagem de distopia, fantasia.

O longa conta com um elenco repleto de artistas renomados. Entre eles, estão os protagonistas, Luís Miranda, dando vida ao renomado "fotógrafo  homem" Jongo, e Rafael Vitti, como seu inexperiente e ingênuo colega, Candinho. Eles serão as presas das mulheres de negócios:  Cristina Pereira interpretando Cesárea, presidente do Clube, e Louise Cardoso, como sua fiel escudeira, Brasília. Irene Ravache interpreta a quatrocentona Norma, com seu marido submisso interpretado por André Abujamra, 20 anos mais novo.  Também fazem parte do Clube Katiuscia Canoro vivendo Zarife, uma mulher destemperada que quer ser presidente do Brasil e que claramente faz alusão aos políticos de direita do país, como o Bolsonaro, e suas obedientes sobrinhas Maria Bopp e Verônica Debom.  Grace Gianoukas dá vida à vaqueira predadora e assediadora Yolanda, que traz a tiracolo seu marido troféu, Jadeson, Tales Ordjaki - 40 anos mais jovem.   Shirley Cruz interpreta a milionária líder evangélica Bispa Patrícia; Polly Marinho é a cantora de funk hypada Kika, e Helena Albergaria faz a misteriosa advogada Fay Smith.   Aos 80 anos de idade, Itala Nandi volta às telas como a conquistadora que ama sexo, Donatella.

As atuações estão brilhantes e profundas, sendo fundamentais para mergulharmos nesse universo dos gêneros invertidos, em que os homens é quem são o "sexo frágil". Rafael Vitti interpreta isso maravilhosamente bem.

Dentre as inúmeras reflexões que o filme nos deixa, está: como o Brasil pode funcionar sem corrupção, nepotismo, violência, hipocrisia, preconceito e misoginia?

Anna Muylaert nos entrega mais uma obra brilhante do nosso cinema nacional, tanto em sua competente direção quanto em seu roteiro complexo, sendo um filme cheio de reflexões, camadas, nuances, sensibilidade, emoções e surpresas. A cineasta reafirma sua vocação em utilizar o cinema como ferramenta para discutir sobre as complexidades e contradições da sociedade brasileira, enquanto diverte o espectador.

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